Fui convidada pela psicóloga Cynara Mariano, que trabalha na AMAI Azul de Itaquaquecetuba, a participar de um evento que essa ONG planejou realizar no Dia Internacional da Mulher do ano de 2018. A ONG é dedicada à assistência de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) na superação de suas limitações, no progresso da sua educação, na promoção dos seus direitos e do seu bem estar físico, psíquico e social.
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A proposta foi dedicar este dia às mulheres presentes no dia a dia dos assistidos pela ONG, sendo a grande maioria, mães. Para isso, diversos profissionais foram convidados a contribuir de forma voluntária para esse dia, dentre eles: nutricionistas, massoterapeutas, maquiadoras, manicures e psicólogas. Essas mulheres tiveram direito até a apresentação da banda da Guarda Civil Municipal de Itaquaquecetuba!
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A Cynara me pediu para realizar, no final do evento, uma palestra que favorecesse o empoderamento dessas mulheres sobre o seu "eu", a sua feminilidade e as suas próprias vidas, uma vez que ela percebia nelas uma forte tendência ao esquecimento de si próprias em função do desempenho total do papel de mãe. Até o momento, eu tinha a noção de que "palestra" era um modo de informar e orientar o público à respeito de um determinado assunto. Então eu pensei: "como vou orientar mulheres que nunca me viram na vida sobre o que elas devem fazer ou não à respeito delas mesmas?". Por isso, pensei em fazer algo mais "interventivo", que pudesse ajudá-las a chegar às suas próprias ideias e conclusões sobre o tema. Um "mini" workshop.
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Comecei o meu encontro com essas mulheres explicando sobre o que me foi pedido e sobre a minha solução para responder à demanda da ONG, e conversei com elas sobre o que é "empoderar". Expliquei o uso que muitas pessoas dão para essa palavra, principalmente no movimento feminista que é, de modo geral, conscientizar (ou seja, fazer notar algo que já existe) as mulheres quanto às suas potencialidades, e contrastei essa ideia com sentido gramatical da palavra, que é dar poder à algo ou alguém. Um pouco contraditório "dar" poder à alguém que já tinha esse poder, não é mesmo? Foi ai que eu apresentei a minha proposta: oferecer a oportunidade de cada uma criar conceitos únicos e singulares sobre "eu" e "empoderamento".
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Distribui à mesa no centro da roda várias frases que diziam sobre o papel de "mãe", uma vez que foi esse papel que as trouxeram para esse encontro (ser mãe de uma criança autista assistida pela AMAI Azul de Itaquaquecetuba). Haviam diversas frases, desde "ser mãe é uma bênção", até "ser mãe é um castigo". Pedi às presentes que se aproximassem da mesa e selecionassem a(s) frase(s) que melhor dizia(m) sobre como se sentiam enquanto mães. Assegurando o sigilo do conteúdo trazido, convidei qualquer uma que estivesse confortável o suficiente, a dividir com o grupo a relação da frase com a sua vivência do papel materno, e ocorreu um momento de troca enriquecedor! Foi possível perceber uma forte ligação dessas mulheres com o papel de mãe, sendo muito difícil identificar o "eu" nas falas apresentadas.
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Após a conversa sobre os conteúdos trazidos em grupo, convidei todas a pensarem o que é "ser mulher" e, novamente, pedi para dividirem seus pensamentos se estivessem disponíveis para tal. Felizmente, muitas participaram da discussão e todas foram empáticas o suficiente para entender pontos de vista diferentes dos seus próprios sem tornar a conversa algo ofensivo ou agressivo (algo, na minha opinião, raro de se ver na sociedade hoje em dia!). Essa troca também foi muito enriquecedora, e permitiu evidenciar que o conceito de "mulher" dessas mulheres estava diretamente ligado com o papel e conceito de "mãe", a ponto de não haver diferenciação entre um e outro.
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Comecei então a questionar, junto com elas, sobre como "mulher" e "mãe" são facetas diferentes mas que, muitas vezes, são complementares e compõe a identidade de um indivíduo (masculino ou feminino). Então a tarefa de entender o "eu" é algo que vai além dos conceitos de "mulher" e "mãe" por que diz respeito à nossa individualidade na sua totalidade. Ou seja, é uma coisa muito complexa! Conversei com elas sobre como é curioso o fato de nem pensarmos direito, no nosso dia a dia, sobre quem somos, quase que esquecendo de nós mesmas. Então disse a elas que eu havia trazido para o encontro um presente para cada uma delas. Um tesouro. Um tesouro preciosíssimo, forte e INDISPENSÁVEL para a sobrevivência e para a felicidade não somente delas, mas para os filhos delas também e que, por causa disso, deve ser muito bem cuidado e nutrido. Assim, entreguei para a pessoa a minha esquerda na roda uma caixa roxa e pedi para que essa pessoa olhasse dentro da caixa sem deixar ninguém mais ver. Esse tesouro, afinal, não diz respeito à ninguém mais além dela. Quando se sentisse pronta, orientei que passasse a caixa para a pessoa ao lado, sem dizer o que viu, para que essa pessoa tivesse essa mesma oportunidade, e assim sucessivamente. E o que tinha dentro dessa caixa? Apenas um espelho.
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Então, encerrei o workshop com uma pergunta: o que é que cada uma delas está fazendo com esse tesouro?
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Fiquei muito feliz por ter participado desse evento e por ter tido esse contato com as mulheres da AMAI Azul! Não sei se atingi o meu objetivo com o workshop, mas acredito ter conseguido fazê-las pelo menos questionarem seus lugares no mundo. De todo modo, as trocas, pra mim, foram transformadoras! Muito obrigada, novamente, Cynara e AMAI Azul pela confiança e oportunidade!!
